“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”.
Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
Estou cá a pensar se ainda hoje cobram aos jovens a leitura das obras clássicas, dado o atual amor pelo que é efêmero e fácil a despeito do que é eterno.
Lembro-me ainda quando li esta obra pela primeira vez, colhida da estante de livros existente no escritório de minha mãe. Creio que pouco entendi naquele tempo, mas a ideia de conversar com um defunto autor me agradava. E que dedicatória! A melhor dentre todas que li até o momento. “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.
O que estou a fazer? Divagando como fez o velho Brás? Perdoe-me leitor, assim são as grandes obras, passam a dominar certa parte, tomam para si canto amuado de nossa mente. Deixai disso e vamos às minhas opiniões.
A obra, como o título deixa explícito, gira ao redor da narrativa de Brás Cubas, ou melhor, do defunto que um dia foi Brás Cubas. Foi criança mimada, homem imaturo e velho que nada construiu como legado.
A narrativa em si ocorre de forma por vezes confusa e que somada à linguagem a que poucos estão acostumados pode tornar o contato com as letras que lhe dão forma em um trabalho quase penoso. Basta que o leitor não se ocupe com isso e deixe-se navegar pelas águas da história da melhor forma que puder.
Brás Cubas vive a vida com a tranquilidade de quem não necessita comprar o pão com o suor do rosto. Sua família possui situação financeira que mais do que lhe basta para aproveitar os caprichos do bem viver. Apesar de formado Doutor não exerce o ofício conquistado levianamente pelo período passado na universidade, onde foi mais festeiro que aluno dedicado. Torna ao lar para enlutar-se com a morte da mãe, vive em isolamento por certo tempo e convencido pelo pai conhece uma pretendente que o pretere em favor de outro que melhor serviria seus anseios de grandeza.
O tempo avança, Brás jamais se casa. O mais próximo de um relacionamento é o romance com Virgília, mulher casada e que foi sua prometida no passado. Obviamente a trama de tal paixão se desenrola calorosamente e termina em separação. Não há nada mais de significativo que ocorra em sua vida pessoal. A sorte uma vez lhe sorri no rosto de uma bela jovem, mas esta também lhe é negada por doença voraz.
Um amigo da juventude é o único que ainda lhe faz certa companhia nos anos mais avançados de sua existência. Quincas Borba, um ser tal filosófico que apresenta pensamento que toma o convencimento de Brás. Admito amigo leitor que mesmo que tenha lido com bastante atenção não consegui absorver o cerne do tal humanitismo e creio que também não o fez nosso amigo defunto. Enfim, Quincas mostra-se louco, um louco consciente de sua condição, mas ainda sim, louco. Morre semidemente em companhia de Brás em sua residência.
Restava ao autor quando tudo mais lhe fora negado, ou melhor, nada por ele fora conquistado, alcançar a glória por meio de fabuloso emplastro, ideia miraculosa vinda de inspiração divina. A gana por alcançar tal fama levou-o a desatenção com a saúde e causou lhe a morte.
Vejo Brás Cubas como um personagem interessante, contudo um homem vazio. Nada conquistou na vida, pouco fez pelos outros, pensou em si e, por que não dizer, aproveitou a vida da maneira que melhor lhe cabia. Isso a ele nada importou, pois como ele mesmo disse, ao deixar a vida achou-se com um pequeno saldo, a derradeira negativa: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Homem tolo, firmou-se jamais conhecer a felicidade.