“[…] o que nos cabe é uma história sanguinolenta, um daqueles contos fantásticos como Hoffmann os delirava ao clarão dourado do Johannisberg”!
Noite na taverna – Álvares de Azevedo
Quem nunca sentou em um boteco, se embriagou e contou meia dúzia de bobagens para os amigos que atire a primeira pedra! Não tenho como apontar de forma melhor sobre o que se trata esta obra do ilustre paulista Álvares de Azevedo.
Noite na taverna é uma daquelas estórias que, se lidas em um momento em que a mente está mais suscetível e sugestionavel, acaba por encontrar um canto para se acomodar ao lado da própria personalidade de quem a lê. Quando li pela primeira vez no distante ano de 2001, eu era apenas um estudante do primeiro ano do ensino médio, um sujeito romântico por criação e com uma forte queda pela minha professora de literatura, mulher madura, daquelas que a beleza tarda a abandonar e que possui uma aura natural de sedução em cada gesto e olhar. Enfim, era um garoto tolo e inocente. Li por incentivo dela, mas também pela curiosidade que o nome do autor me causava, afinal, entre Azeredo e Azevedo a diferença é uma letra!
Vamos à estória.
A narrativa ocorre sempre como narrador personagem, alternando entre os amigos que se embriagam em uma taverna escura. Ambientado por volta de 1850, não fica claro onde o grupo está, mas tudo leva a crer que em alguma cidade europeia, pois é no velho continente que todas as experiências dos rapazes acontece. O grupo reunido às voltas de uma mesa e tomados pelo torpor da embriaguez, passa a compartilhar seus contos de amor e tragédia para espantar o tédio. Terríveis que são e bem sabendo que ébrios tendem a falar bobagens e mentiras, o leitor é conduzido por essa conversa de bar sempre com a possibilidade de se questionar se o que os personagens contam é ou não verdade.
O primeiro a falar é Solfieri. Sua estória narra sua paixão por uma defunta que encontrou a noite dentro de um caixão em uma igreja de Roma. A mulher era um namoro de outra época. Sofreu sua morte e agarrou-se ao corpo. Em sua paixão, descobriu a mulher cataleptica e a roubou de seu velório. Dois dias se passam em febre e loucura até que finalmente a mulher realmente morre no quarto do narrador. Manda fazer uma estátua de cera da donzela e enterra o corpo no chão sob sua cama, sumindo com o corpo e guardando a saudade no peito.
O segundo a falar é Bertram, um homem que apaixonou-se por uma espanhola, mas que teve que deixa-la para ter uma ultima vez com seu pai na Dinamarca antes que o velho morresse. Assim que viu-se livre da obrigação, reduziu as posses a dinheiro e retornou à Espanha para rever Ângela. A mulher se casara e tinha um filho. O amor entre os dois novamente brotou como fogo em carvão soprado e viveram dessa loucura até o marido da adúltera descobrir. Ela o mata e ao próprio filho para fugir com Bertram e viver anos de vida desregrada até abandoná-lo. Desconsolado o homem tenta se afogar, mas é salvo por um marujo, a quem mata no mar em desespero por salvar a si próprio. O capitão do navio o acolhe e ele retribui o favor com traição. Vive um amor escondido com a mulher e isso se dá até que uma tragédia reduz a tripulação a ele, o velho e a mulher em um bote em alto mar. Para sobreviver matam o capitão e se alimentam de sua carne. A mulher ele mata dias depois também para se alimentar, mas o mar a toma antes que possa prosseguir com sua corrupção. Viveu apenas por sorte de ser resgatado por um navio inglês.
O terceiro, Gennaro, verdadeiro canalha de marca maior. Acolhido como aprendiz de pintor na casa de um velho mestre que vivia em segundo matrimônio, tinha pela mulher do homem um amor platônico enquanto mantinha os calores da carne saciados com a lascívia no corpo da filha de quinze anos do homem. A garota engravidou e o jovem nada quis com ela, deixando-o desgraçada para morrer de tristeza. A garota matou o feto no ventre e por isso também morreu, lançando o velho em agonia terrível. Forçado pelo mestra a lançar-se em um abismo, sobreviveu apesar da queda e retornou em busca de vingança. Lá estando encontrou a mulher do mestre, com quem viveu em pecado nas várias noites após a morte da garota, podre e esverdeada pela morte. O mestre também estava morto. Ambos abandonaram a vida de agonia com goles de veneno por causa de um jovem que não soube segurar seus desejos.
Claudius Hermann para mim é o personagem mais odioso de todos. Apaixonou-se loucamente por uma mulher casada qye não correspondia ao seu amor. Era uma mulher de beleza sem igual, esposa feliz e amada. Ele a sequestra com uso de narcótico e a convence de que deve viver com ele, pois sua vida agora estava desgraçada pela vergonha de um adultério que não cometeu. A mulher aceita o argumento, mas tempos depois o marido roubado a encontra e a mata, tomado pela dor e loucura. Sujeito maldito esse Claudius.
Quase o último personagem, Johann é um exemplo de que fazer as coisas sem pensar é uma grande idiotice. Vencido em uma partida de bilhar de forma traiçoeira, agride seu oponente que revida com um chamado ao duelo. Abatido por tiro de pistola, o jovem tem surrupiado um anel selo e uma carta de donzela. Johann vai ao encontro da moça como se fosse seu oponente e no escuro ela não difere o amante. Saciado, abandona o leito e é atacado por um homem, a quem mata sufocado. Descobre então com a ajuda de uma lanterna que o homem a quem matou era seu irmão e, tomado pela dedução, corre ao quarto psra descobrir que a donzela que tanto gozara era sua irmã. Por não pensar em seus atos, desgraçou na mesma noite a vida de tantas pessoas.
O último capítulo, que até então vinham sendo nomeados conforme seus narradores, deixa claro que ao menos o ultimo conto era verdade. Uma mulher de nome Giorgia entra na taverna e encontra o grupo dormindo como cães por causa da volumosa soma de vinho consumido. A mulher é a irmã que Johann condenou à prostituição. Ela mata o irmão com golpe de punhal. Havia também na taverna um moço, Artur, o jovem que Johann abatera com tiro cinco anos antes. Ele reconhece a mulher, a quer amar, cuidar e viver com ela paea sempre. O desgosto e a tristeza é demais para ela que, após um último beijo em seu antigo amor, se apunhala no coração. Artur, incapaz de perder a mulher que ama uma segunda vez, também se mata com golpes de punhal.
Assim acaba a obra que, como podem ver, não é uma leitura doce e saborosa, mas sim, um rio de pecado, devassidão e o pior que se pode esperar quando a desculpa para seus atos é o amor. Amigo leitor, se tens estômago para encarar detalhadamente essa obra, faça boa leitura, mas se for um desses que se abalam e impressionam com a maldade e a sujeira, fique apenas com a leitura deste texto que já saberá o suficiente sobre tal obra influenciada diretamente por Lord Byron e sua geração romântica.