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Opinião literária, por Felipe Azeredo – Dom Quixote – Miguel de Cervantes

Dom Quixote - Miguel de Cervantes

Dom Quixote: O Louco Mais Lúcido da Literatura – 5 Lições

5 Lições Atuais de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes

 “À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão viva.”

Assim começa a jornada literária que me levou a uma nova visão sobre o clássico Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Iniciei a leitura esperando encontrar um homem louco, ridicularizado pelas suas ideias ultrapassadas, acompanhado de um escudeiro ingênuo e oportunista. Mas, à medida que as páginas avançavam, descobri que estava diante de uma história muito mais profunda, humana e atual.

A seguir, compartilho cinco lições que extraí desta leitura marcante, que me fez enxergar a vida e os sonhos com outros olhos.

  1. Dom Quixote não era louco – apenas sonhava com coragem

Durante toda a leitura, fui conduzido a acreditar que Dom Quixote era um homem insano, perdido em devaneios de bravura e honra. No entanto, ao final, percebi que talvez sua maior “loucura” fosse justamente ter coragem de sonhar, em um mundo cada vez mais cético e pragmático.

Enquanto todos viviam em função da rotina, do conforto e da lógica, ele se permitia buscar ideais elevados. A loucura de Quixote, portanto, não era doença — era resistência. Uma forma de não se render ao conformismo. Ler Dom Quixote me fez questionar: quantos de nós temos coragem de viver como ele viveu, mesmo que apenas por um instante?

  1. A verdadeira loucura pode ser viver sem propósito

Cervantes nos conduz por uma narrativa onde a linha entre sanidade e insanidade é tênue. A sociedade vê Quixote como desequilibrado por acreditar em cavaleiros andantes, mas talvez a verdadeira alienação esteja em aceitar passivamente uma vida sem cor, sem sonhos, sem ideais.

Os livros de cavalaria que ele tanto admirava o fizeram perceber que uma vida monótona e sem propósito é, na verdade, mais assustadora do que qualquer gigante imaginário. Por isso, ele decide se tornar um cavaleiro andante, mesmo sabendo que as aventuras só existiam em sua mente. Melhor viver com esperança, ainda que ilusória, do que perecer sob a apatia.

  1. Sancho Pança é mais do que um coadjuvante

Inicialmente, vi Sancho Pança como um personagem cômico, quase uma caricatura do servo fiel. Mas sua presença revela algo muito maior. Sancho representa o realismo, o “pé no chão”, o senso prático. Porém, ao longo da narrativa, ele também se transforma. Ele aprende a ver o mundo pelos olhos de seu mestre, passa a acreditar em justiça, honra e fidelidade.

A relação entre Dom Quixote e Sancho Pança é uma metáfora sobre equilíbrio. Uma precisa do outro para funcionar. Ideais e realidade, sonho e pragmatismo, loucura e lucidez. Juntos, eles formam uma dupla que traduz o dilema humano entre o que é e o que poderia ser.

  1. O final de Dom Quixote é uma crítica amarga à sociedade

Quando Dom Quixote, já velho e exausto, abre mão de seu sonho e decide se tornar novamente Alonso Quijano, o Bom, algo se quebra. Aquele que foi chamado de louco por todos decide se conformar com a realidade, e então morre. A mensagem é dura, mas clara: abandonar os sonhos pode nos destruir por dentro.

O herói viveu com coragem, foi gentil com todos, acreditou no amor e no bem. Foi zombado, ferido, mas também foi livre. Ao aceitar ser apenas “normal”, perde sua essência. E nos resta o questionamento: será que estamos nos rendendo aos mesmos padrões e apagando nossa chama interior?

Leia também nossa análise de personagens clássicos que desafiam o senso comum.

  1. Dom Quixote é um espelho para quem ainda acredita em ideais

No fim, o que resta de Dom Quixote não é a imagem de um velho ridículo lutando contra moinhos, mas de um homem íntegro, que acreditava em gentileza, justiça e amor ao próximo. Ele pode ter perdido todas as batalhas, mas venceu ao manter sua identidade intacta.

Vivemos tempos em que o ceticismo reina. Sonhar parece tolice. Ter fé em valores humanos é visto como fraqueza. Mas a obra de Cervantes nos lembra que é possível viver com honra, mesmo em um mundo que não acredita mais nela.

Dom Quixote é mais do que uma história sobre loucura: é um manifesto sobre coragem, idealismo e liberdade.

Para saber mais sobre o livro, acesse o artigo da Wikipedia sobre Dom Quixote.