“Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa deu consigo na cama transformado num inseto monstruoso. Jazia de costas, umas costas duras feito couraça, e, erguendo um pouco a cabeça, viu sua barriga bojuda, marrom, dividida em segmentos envergados, sobre a qual a coberta estava prestes a escorregar e cair, e suas muitas patas, lamentavelmente finas para aquele corpo enorme, agitavam-se indefesas diante dos seus olhos”.
Aqui está uma obra que ao terminar a leitura surge em sua mente “ok, terminei, mas o que diabos foi mesmo que eu li?”
Tentarei expor minhas impressões, por mais que possa incorrer em erros quanto à vontade do autor.
O personagem Gregor Samsa é o único provedor de sua família. Possui um emprego que odeia e vive sob o jugo de um chefe terrível. Suporta tal emprego apenas por ser rentável e lhe render o que considera que será suficiente para em breve quitar a dívida da família e enviar a irmã para um conservatório onde poderá viver sua paixão pelo violino.
Então temos um personagem cuja vida gira ao redor de seu pai velho e preguiçoso, sua mãe doente e sua irmã mais nova pela qual possui grande carinho.
Mas um dia sente-se mal e não mais segue para seu trabalho. A metamorfose. A escrita leva o leitor a crer que o personagem tornou-se um inseto de aparência repugnante e tamanho de gente, mas eu gostaria de dar outro olhar a tal metamorfose.
Os sinais que o personagem demonstra poderia sugerir uma grave crise de depressão, algo que durante o período em que a obra foi escrita não era reconhecido como doença, mas sim como distúrbio de caráter e fraqueza moral.
O personagem torna-se recluso, sem apetite pelo alimento ou mesmo pela vida, deixando-se prostrado pelos cantos a maior parte do tempo e sentindo grande dor e desconforto pelos menores movimentos, todos tão estranhos a ele nesta nova forma.
A família decide que é melhor que ele fique recluso em seu quarto, como um ser repugnante e asqueroso que deve ser escondido de todos e motivo de grande vergonha e incômodo.
Tendo secado a fonte do sustento da família, a renda de Gregor, todos os três se põe a trabalhar em bons empregos, algo que poderiam muito bem ter feito antes ao invés de sugarem a renda do personagem e se acostumarem a recebê-la com prazer.
Logo, o grande bicho no quarto se torna algo a ser evitado a todo custo e, quando este enfim morre de fome ninguém sofre com sua perda, mas sim, colocam-se a passear felizes pela cidade e fazem planos para o futuro, deixando o cadáver abandonado no quarto em que faleceu.
Vendo desta forma, feita tal análise, enxergo que o que Franz Kafka expõe em suas páginas não é uma ficção estranha em que um homem torna-se um inseto, mas sim ironiza uma realidade que mesmo hoje existe. Você é querido e amado enquanto é util, mas basta adoecer e tornar-se um estorvo para que aqueles que antes viviam à sua sombra desejem se livrar de ti o mais rápido possível como quem deseja se livrar de uma praga.